30 de maio de 2014

Entrevista Renan Inquérito

Crédito:  Márcio Salata

“A academia é uma punheta ideológica, praticamos uma masturbação acadêmica para nós mesmos e não dividimos o gozo com ninguém, é isso”

Rapper, poeta, professor e Mestre em Geografia pela Unicamp. Ele é e representa tantas coisas que seria difícil fazer sua apresentação em poucas linhas. Mas nada o define melhor do que o que ele faz e fala. Então com vocês... Renan Inquérito!





De onde veio a necessidade de formação acadêmica mesmo já tendo uma carreira como rapper?
Eu ouvia muito um rapper de Brasília chamado Gog e ele dizia uma frase que ficou na minha cabeça: “O estudo é o escudo”. Então aos 22 anos e trabalhando como mecânico (já com 2 discos gravados) eu resolvi fazer algo para sair da fábrica que eu trabalhava. Fiz a faculdade por entender que dentro da sala de aula eu poderia fazer o que o rap tanto falava, mas não conseguia fazer nos palcos. Ser educador somou-se a ser MC, pois todo professor é um MC. A sigla MC significa mestre de cerimônia e quando estou à frente da lousa eu sou um MC dando aula e no palco também sou um pouco professor, não tem fronteiras.

Crédito: Jéssica Romero
Como foi sua trajetória dentro da Unicamp? Sinto que a academia serve para alimentar ela mesma, como você conseguiu lidar com isso?
Sim. É uma punheta ideológica, praticamos uma masturbação acadêmica para nós mesmos e não dividimos o gozo com ninguém, é isso. Eu fiquei 10 anos na academia e defendi meu mestrado há 2 anos e meio, mas ainda não fui pegar o diploma. Só consegui sobreviver porque ao mesmo tempo eu estava dando aula, fazendo rap e fazendo poesia. Eu vivia no laboratório, mas respirava vida real e esse contraponto me permitiu conseguir. Mas sinto vontade de voltar, pois infelizmente para muita coisa que queremos fazer na sociedade precisamos de um selo e a academia é um selo. Várias vezes o rap não me permitiu entrar em certos espaços e tive que usar esse selo de educador. Temos que ser subversivos. Temos que usar nosso selo da academia para falar na Fundação Casa de igual para igual com um pedagogo, só que ele vai falar de pedagogia e eu vou falar de Hip Hop. Durante o mestrado fiz 20 viagens pelo Brasil para pesquisar. Quem bancou? O rap. Quando eu chegava lá no Tocantins para fazer minha pesquisa, me recebiam de braços abertos porque eu era um cara do rap. Eu tinha toda a empiria com muita facilidade. Sabe quem me abriu as portas? Não foi a academia. Foi o rap, entendeu?

Quais as dificuldades da escola pública hoje no Brasil?
Olha, a Coréia do Sul reformulou o sistema educacional dela e demorou 20 anos. Como vamos fazer isso aqui no Brasil? Eleição de 4 em 4. Entra um partido e desconstrói tudo que o anterior fez. A nossa política lembra aquele grupo de pagode “Só pra contrariar”. Os caras fazem só para contrariar o outro e o povo fica à míngua. Uma reforma educacional exigiria no mínimo uma década ou duas. Não dá para resolver no governo do PT ou do PSDB, não dá para resolver em dois mandatos. É uma coisa muito maior, só que aí ninguém mexe nisso e ficam tomando medidas paliativas. É um processo demorado e infelizmente a vontade política é pouca. Temos um sucateamento muito grande. Número elevado de alunos por sala, professor mal remunerado, material didático totalmente fora da realidade... Enfim, uma criança com 6 anos de idade já viu 5 mil horas de televisão! Aí chega um professor em frente à lousa querendo ensinar diante de 5 mil horas de televisão, internet e videogame e não consegue. Então tem que reformular, mas o professor não é o culpado. O professor sai da escola mal preparado, pois não se aprende a dar aula na faculdade, se aprende dentro da sala de aula.

Crédito: Jéssica Romero
Fale um pouco sobre as manifestações de junho de 2013. Você acha que as demandas e o povo da periferia estavam representados?
Eu vi várias pessoas da periferia, mas não todo dia. Os caras tem que trabalhar, infelizmente eles não tem esse ócio. A cara das manifestações foi o jovem brasileiro, a maioria os universitários que é quem tem mais tempo ocioso e acesso à informação. Vi algumas pessoas do Movimento Negro e do Hip Hop, mas senti um movimento muito diluído e que depois virou massa de manobra. Mas foi um movimento muito válido, com certeza. Até hoje surte efeitos.

Nessa feira literária onde estamos existiu uma tentativa da organização de incluir o jovem da periferia na programação. Mas ao mesmo tempo a polícia presente é opressora ao reagir com violência à presença desses jovens em determinados espaços. Por que essa inclusão não funciona?
A contradição está imposta na sociedade. A polícia não compactua com a ideologia de uma Feira literária e nem a Feira compactua com a ideologia da polícia. São esferas diferentes de poder e quando você as coloca para dialogar surge o conflito. A contradição que está imposta na sociedade e nessa feira do livro é um exemplo minúsculo da contradição que está imposta no sistema educacional e em grandes eventos como a Copa. Isso que aconteceu aqui é só um reflexo do que estamos vivendo.

Existe Esquerda e Direita na periferia?
Poxa, difícil dizer. Hoje em dia não sabemos mais até que ponto a esquerda é esquerda. Antigamente era o PT e hoje em dia o que vemos... Infelizmente a periferia é muito carente de tudo em todos os sentidos. Então os políticos se aproveitam dessa carência oferecendo algum bem material ou promessas. É difícil julgar alguém que não tem o que comer ou não tem um trabalho há muito tempo e troca seu voto por isso. Sobreviver é urgente. Alguns pensam: “Ah, vamos salvar o mundo”, mas sobreviver é urgente! Estamos discutindo a legalização da maconha (que é importante), mas o GOG já falava: e a legalização do arroz com feijão? Tem coisas que são muito mais urgentes.

Arquivo pessoal da jornalista tiete