10 de dezembro de 2014

Racismo em primeira pessoa

Sabe aquela dinâmica famosa em que mostram uma boneca preta e outra branca para crianças analisarem? Então, nesta dinâmica a criança deve dizer qual é a mais bonita, a mais feia, a que é boa, a que é ruim e qual mais se parece com ela. A dinâmica das bonecas acontece todos os dias com milhares de pessoas. Pessoas negras e brancas são colocadas todos os dias em uma vitrine. Lá elas são julgadas e adjetivadas (muitas vezes pejorativamente) por suas características físicas. 

Nesses julgamentos sempre ocorre a questão da ausência ou presença da “beleza”, ou seja, define-se o feio e o bonito. Se há alguém que foge dos padrões e estereótipos estabelecidos pelas revistas, programas de TV, internet, filmes, novelas e etc, e faz escolhas para fugir de padrões, esse alguém não é compreendido ou considerada bonito, mesmo que sua aparência esteja em grande evidência na mídia.  

Famosas brancas que aderiram ao corte "undercut" 
Há ainda um outro julgamento, aquele que tem um embasamento sob a condição social do sujeito. Ou seja, se a pessoa for dos grupos marginalizados seu estereótipo passa a ser alvo de críticas e disseminações de preconceitos e de racismo. A beleza está presente ali, mas é ignorada. Aquela beleza é vista como uma audácia, um comportamento desviante.

Eu sou "só" preta e mulher, se também fosse "sapatão"  seria bem pior, pois ter qualquer orientação sexual que não seja héterosexual é  desviar ainda mais dos padrões socialmente aceitos. O problema é que o tal "só" já me enquadra, e enquadra outras milhares de mulheres à vulnerabilidade de ser chacoteada. Chacota com uma dose de preconceito e racismo, é crime. Chacota com uma dose de ditadura da beleza, é cruel. Chacota, com outras boas doses de quaisquer preconceitos pautados sobre o que é ser belo, pode MATAR lentamente. E mata. A morte da "beleza". A morte pela "beleza". 

Com os cabelos alisados - Arquivo pessoal
Dias atrás durante uma pesquisa da minha Iniciação Científica, me deparei com um manuscrito do século XVIII que achei muito intrigante. Em seu conteúdo há um pedido ao Rei de Portugal para que ele proibisse as escravas de usarem adornos ou tecidos de seda. A justificativa era de que as escravas não poderiam utilizar adornos, pois a  condição social delas, como escravas, não as permitia tal coisa. Ou seja, a escrava, por ser escrava e preta, não poderia sequer utilizar objetos para o seu bem estar em relação à sua beleza. A escrava do século XVIII continua viva no século XXI!
Todas as mulheres pretas são escravas da ditadura da beleza que impõe que elas devem permanecer em seu lugares. Lugares subalternos aos das brancas. Existe moda que é para branca e moda que é para preta.

Eu, enquanto mulher preta, renego este lugar. Renego qualquer tipo de violação do meu bem estar próprio. Renego a violação do meu corpo negro. Renego as ditaduras da beleza. Renego você que acha que o meu lugar não me permite mudar minha aparência, simplesmente por eu ser negra. Você vai dizer que não é porque eu sou negra, mas querido, eu sei que é. 
Depois da transgressão para os crespos - Arquivo pessoal
Enfim, apenas renego qualquer tipo de violação corporal desde o estupro até as chacotinhas racistas sobre o meu corpo e o corpo da outra. Renego você que não sabe (ou finge que não sabe) que a beleza também é negra.

Eu de undercut. Por que não? 

Sou Ana Carolina Rodrigues, tenho 23 anos e sou estudante de Letras. Eu acreditava que racismo não existia. Comecei a mudar de idéia quando parei de alisar os cabelos. Percebi que alisar os cabelos me possibilitava certa mobilidade, pois eu renegava o que "era feio" e tentava encaixar-me no padrão socialmente estabelecido. Não alisar o cabelo é bom demais e me fez perceber que o racismo existe sim, da forma mais cruel possível, e que meu cabelo crespo é um instrumento de luta e de afirmação.


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