7 de janeiro de 2015

Arlene - Um dia de domingo e uma vida toda



Congonhas, Mg - Google imagens
O cenário dessa história é Congonhas, região Central de Minas Gerais, lugar pequeno onde as pessoas se conhecem pelo sobrenome e onde todos os clichês sobre a mineiridade fazem sentido. Entre a famosa hospitalidade, as vizinhas fofoqueiras de janela, a mesa farta de almoço e o jeitinho desconfiado, está uma história de amor atípica, que causa burburinho em qualquer cidade de interior.

Arlene nasceu em Jeceaba, também na região Central do estado. O pai era sapateiro e a mãe, dona de casa. Apesar das muitas dificuldades financeiras, criaram os cinco filhos valorizando os estudos. Ela era o destaque da escola e guarda, até hoje, as fotos da época de colégio, em que declamava poesias nos festivais de literatura.
Foto - internet
 Em busca de melhora financeira, a família mudou-se para Congonhas ainda durante a adolescência da menina, que adorava os livros. Foi nessa época, aliás, que Arlene ficou um ano de castigo: o pai havia descoberto que ela trocava cartinhas de amor com um rapaz. O que para ele era um namoro ameaçador, para ela era uma forma de usar as palavras que tanto lia nos romances. 

Aplicada nos estudos, Arlene terminou o colégio e fez o que, hoje, seria uma espécie de curso técnico. Aos 20 anos, já trabalhando como atendente em uma loja de ferramentas, percebeu que era paquerada por um jovem que passava diariamente na calçada, observando-a. Era Carlos, o Baxota. E como essa história se passa em Congonhas, a troca de olhares logo virou conversa, pois, com amigos em comum, frequentavam os mesmos bailes no clube da cidade.

Arlene é uma ótima “entrevistada”, daquelas que guardam na memória datas exatas e detalhes sobre os acontecimentos de sua história. Quem conhece a mulher prática e independente de hoje – microempresária e mãe de dois jovens aos 49 anos – talvez não a imagine como a jovem romântica e apaixonada que foi. Assim como muitas garotas de sua época, sonhou com um romance cinematográfico, em que o casamento representava uma história de final feliz, com começo, meio e fim bem tradicionais. E aquela paquera de calçada com Baixota era só o princípio dessa história onde aquela Arlene aparece.

Foi no sábado pós carnaval de 1986, dançando juntos ao som de Dia de domingo, canção de Tim Maia, que Arlene demarcou o início de seu namoro com Baxota. Desta data até o casamento, foram dois anos e meio de romance. Passeios de mãos dadas e beijos apaixonados, mas trocados com discrição. Como mandava o protocolo, namoraram, noivaram e se casaram.
Imagem da internet

Em 1989, oficializaram a união no papel e perante a sociedade. Ela se casou virgem e, hoje, relembrando os fatos, pensa que talvez tenha sido assim muito mais pelas convenções sociais da época do que por suas próprias convicções. Os pequenos álbuns de fotografias me mostram que o casal foi feliz. As fotografias da lua de mel, do casal sorridente em poses clássicas de recém-casados, fazem a Arlene de hoje rir daquela. “Olha isso, que brega”, ela diz, rindo-se das próprias roupas e, por vezes, também das poses – como aquela em que ambos estão em um barco, trocando olhares.

Casamento, lua de mel, início de casamento, a primeira gravidez... Tudo parece se encaixar como nas novelas ou filmes. Mas o tom muda quando ela diz que não, sua história não é cor de rosa. Nem ela é, até hoje, aquela moça. Lucas, o primeiro filho, tinha dois anos quando Arlene engravidou de Ramon. A gestação foi complicada, não só por causa dos problemas físicos, mas também do casamento, que começava a entrar em crise. Carlos passou a comportar-se de forma estranha, saindo para beber com frequência, voltando alterado e agindo de forma irresponsável com a esposa, que precisava de cuidados. Ela não sabe me explicar o que provocou essa reviravolta no comportamento do ex-marido. Talvez ele tentasse resgatar uma juventude que viu “perdida” ao encarar as responsabilidades exigidas pelo casamento e pelos filhos...

As brigas tornaram-se constantes e o clima dentro de casa, insustentável. E mais uma vez, escritas trocadas cruzaram o caminho dela. Arlene, já com 30 anos, descobriu cartas do marido para outra mulher. Mesmo grávida e com um filho pequeno, não hesitou: pediu a separação e deixou a própria casa. Para uma cidade de interior, o fato era espetacular e ganhou proporções ainda maiores na boca do povo. 

Arlene foi para a casa dos pais, continuou administrando sua loja de acessórios e revezando-se para cuidar dos dois filhos ainda muito pequenos. A segurança com que tomou suas decisões e resolveu tudo não era a de nenhuma mocinha indefesa, personagem de histórias românticas, mas a mesma com a qual me conta hoje que o casamento acabou, mas o amor, não.

Imagem da internet
Damos um salto de 17 anos na história. Durante esse tempo, Carlos se casou novamente, teve outros filhos e se ausentou – quase que completamente – da vida de Arlene e dos meninos, com quem teve pouco contato. Foram 17 anos de distância, embora fossem vizinhos e se vissem diariamente na rua. Apesar de admitir as falhas dele como pai, ela não o condena. Preferiu fazer bem a sua parte de mãe. 

Ela é hoje uma mulher segura. Mostra-se madura e não carrega pudores que a impeçam de contar suas histórias, mesmo aquelas mais pessoais, a respeito das fases mais delicadas da sua vida – como a de superação do divórcio. Às vezes, porém, deixa escapar, nas pausas em que resgata a memória, o que talvez por muito tempo tenha negado a si mesma: que o amor esteve ali. Não só para ela, mas também para ele, que a olhava de longe na rua e, por vezes, enviava mensagens via celular para dizer que ainda não a tinha esquecido. As mensagens eram apagadas imediatamente. Da mesma forma, ela não se esquece do dia em que reuniu todas as lembranças dele numa caixa, jogando tudo num rio: cartas, fotos, bilhetes, cartões, objetos. “Parecia que o rio ia transbordar com aquelas lembranças, aquelas coisas espalhadas”.

Diz que, durante todos aqueles anos, foi indiferente a Carlos e encarou a separação como o fim definitivo da história dos dois como casal. E foi. Depois da separação, nunca o procurou, nunca mais conversou nem retribuiu olhares. Mas escrevia seus desabafos num diário para registrar tudo o que sentia. Diz que não guardou mágoas, mas guardou as cartas que encontrou na época das brigas – caso algum dia precisasse provar ou explicar algo aos filhos.

O tempo passou. As feridas se curaram. A menina que amava o mundo de fantasia dos livros, romances e poesias ficou para trás. A moça que acreditava no casamento para sempre também. Mas Arlene, nem por isso, deixou de acreditar no amor.
E foi o amor próprio, da mulher bem resolvida que eu conheci, que a fez dar nova chance a Carlos – que depois de 17 anos, já separado, procurou-a, pedindo-a para voltar a vê-lo. Uma nova chance para os dois. Assim, meio sem medir o modo e as consequências. O amor agora é maduro, e antes de tudo, vem o respeito e as regras claras que ela coloca no relacionamento.

Ele se reaproximou dos filhos e hoje possuem laços familiares verdadeiros. Arlene e Baixota estão namorando e vivem uma relação “moderninha” para os parâmetros de Congonhas. São vizinhos e moram em casas separadas. Amam-se, então tudo dá certo, garante ela, que alterou um ditado popular para explicar a própria situação. Em vez de “se melhorar, estraga”, cravou: “se casar, estraga”.

Arlene e Baxota - Arquivo pessoal


Ouça a trilha sonora dessa história aqui.
E não esqueça de curtir nossa página no facebook











Nenhum comentário:

Postar um comentário