23 de julho de 2015

Entrevista Stephanie Ribeiro : "As mulheres negras precisam ser mais ouvidas"



Ela se considera uma jovem “normal’’ de 22 anos fazendo sua parte. Diz que não se acha forte, apenas mantém seu discurso e segue o que acredita. É uma canceriana típica, estudante de Arquitetura e que enxerga a internet como um grande diário coletivo. Quem conhece Stephanie Ribeiro sabe que ela é muito mais que tudo isso já significa. Eu acredito que existem pessoas que foram escolhidas pela vida para ter uma luz que brilha na hora certa. A da Stephanie brilhou quando ela sofreu ataques racistas na faculdade e decidiu não se calar. Fez de um sofrimento sua voz compartilhada, viu que não estava sozinha e que seu discurso de resistência também fortalecia outras pessoas. E não parou mais. 

Escreve para vários sites, participa de debates e traz para um curso elitista de Arquitetura discussões como o que significa o “quartinho da empregada”. Talvez a força que ela acha que não tem, (mas que todo mundo enxerga) venha da leveza com que carrega a responsabilidade de atualmente ser uma das feministas negras mais influentes da internet e do "mundo real", se é que possível separar.


Quando você percebeu que seu discurso exercia influencia na internet?

Quando começaram a aparecer seguidores ou pessoas que me excluíam por perceberam que eu criei uma narrativa de militância através do meu discurso, empoderamento e posicionamentos. 

A militância virtual sai da internet?

Sim, ela afeta os posicionamentos e as atitudes que a pessoa toma na vida. Às vezes eu perco um pouco a noção de como o que eu escrevo repercute. Uma vez uma menina veio falar que usou o que escrevi em um trabalho da escola. Muitas mulheres e meninas jovens vêm falar comigo, pedir conselhos, trazer suas histórias ou só desabafar, conversar. Outra questão é que quando negras e negros ocupam certos espaços e levantam a voz, já é uma militância. Assim como é Maju fazer seu trabalho e ser a primeira negra a ocupar o espaço que ocupa. Militância virtual não pode ser deslegitimada porque ela proporciona que vozes que não tinham espaços agora tenham, e essas vozes estão criando tanta força que conseguem pautar questões na mídia tradicional e na esfera pública. Outro fator é que pessoas negras não estão só falando na internet, elas estão também disputando mais um espaço de fala na sociedade e estão sendo ouvidas, isso é importante. 

Como você enxerga a internet enquanto espaço democrático? O ódio também “saiu do armário”?

Na internet eu lido com agressão 24 horas por dia. Se for preciso as pessoas te acham e até mandam mensagem para te agredir. Na rede as pessoas não tem vergonha de falar o que elas não diriam na sua frente. Então por um lado tem a questão de conseguirmos dar voz a quem não tinha e, infelizmente, por outro dá voz a coisas que estavam escondidas. São dois polos, eu chamo isso de “disputa de narrativas”, por isso que entendo que quanto mais pessoas estiverem na rede rebatendo esses discursos machistas, racistas, homofóbicos, transfóbicos e etc, melhor. Disputar narrativas em rede é uma forma de resistir, criar uma mídia alternativa e até de conseguir combater a mídia tradicional. O lado ruim é esse, é que a internet pode ser um ambiente agressivo. 



Como você sente a responsabilidade da sua voz representar tantas mulheres?

Pra mim é algo leve. Gosto de ter contato com as pessoas que são como eu, mas às vezes não tenho tempo de dar um retorno a todas. Lido com isso de uma forma individual. Às vezes preciso sair, fazer minhas coisas ou não estou num dia bom, então eu vejo meu limite. A militância está na minha vida, mas não preciso falar sobre isso 24hs. Me sinto cansada quando vem uma energia ruim disso, mas estou aprendendo a me blindar, a avaliar quando devo tomar a linha de frente ou não. É preciso perceber formas de agir sem deixar certas coisas me atingirem. Eu gosto de fazer o que faço, então tento fazer o que poderia ser um peso ou um sofrimento ser algo leve, pois preciso estar bem para continuar. 




De onde vem seu feminismo?

Acho que da minha mãe. Minha família é basicamente composta por mulheres e sempre foi isso que vi, mulheres fortes protagonizando suas vidas. Me entendi feminista quando tive contato com outras feministas, e quando comecei a entender algumas questões sobre feminismo. Foi no primeiro ano de faculdade quando tive contato com muita gente diferente. Isso me ajudou a amadurecer porque quando você conversa com outras mulheres e compartilha experiências, você começa a se questionar sobre qual seu papel social. Entrei em contato com o feminismo e depois com o feminismo negro, e aí eu me encontrei. Comecei a escrever e falar sobre vivência de pessoas e mulheres negras porque vi que existiam pessoas como eu falando as mesmas coisas que eu.

Como você enxerga o feminismo negro dentro do movimento feminista?

Entendo o feminismo como algo de vários braços e um deles é o feminismo negro. Feminismo de mulheres negras, trans, mães etc. São vários e vários recortes. Eu me vejo dentro do feminismo falando sobre mim. Claro que existem mulheres dentro do feminismo que não tem a mesma narrativa que eu, mas eu posso escutá-las e elas devem me escutar. Aí que está o ponto, quando você se coloca como feminista negra você está trazendo muitas vivências diferentes, interseccionadas da questão racial com o machismo e isso tem uma carga diferente. As feministas negras, assim como as trans e todas que trazem vivências diferentes tem que ser cada vez mais ouvidas. Não podemos dizer “nós, mulheres” sem antes pensar “nós, quem?”. Às vezes esse “nós” não carrega um “nós” real, então temos que falar dos recortes e vivências reais. 

Arte de Ana Maria Sena


Qual a importância do empoderamento da mulher negra?

Nossa, isso é tudo! Hoje eu sou uma mulher negra empoderada quanto à questão estética, me acho bonita. Mas precisei trabalhar isso em mim. Agora que está resolvido, vou trabalhar outra questão, a dos relacionamentos, por exemplo. Acho que é um processo e cada mulher deve saber o que empoderar em si primeiro, e ao longo do tempo ir trabalhando cada questão. Beleza, trabalho, família, relacionamentos, posicionamentos políticos e etc. Tudo é influenciado por sua vivência, então se você é uma mulher negra todas suas questões de auto estima estão relacionadas a essa vivência que é silenciada. Quando você se assume mulher negra empoderada acho que existe uma certa cobrança de que você já tem que se empoderar de uma vez em todos os campos da vida e não é assim. Você vai se fortalecendo aos poucos, não é porque você se tornou uma negra empoderada que o mundo te abraçou. Muito pelo contrário, às vezes o mundo te agride ainda mais e você tem que lidar com várias coisas. A nosso vivência e sobrevivência já é forte demais.

O que você considera fundamental para a construção de uma sociedade com menos ódio e preconceitos?

O maior caminho de todas as lutas é conseguir se abrir para entender e respeitar as outras pessoas, ter empatia. Tentar entender os outros lados da história. Eu, por exemplo, entre as mulheres negras eu sou privilegiada, só de estar numa faculdade já é um privilégio. Assumir e entender isso não dói. É preciso ter autocrítica. Assumir seus privilégios é entender que o mundo não dá a todas as pessoas os mesmos acessos que você tem, e não que você é a culpada pelos problemas do mundo. As pessoas têm medo de pensar nos próprios privilégios e de ouvir o discurso do outro porque é uma cutucada que incomoda. Mas é muito importante assumir seus privilégios, descontruir sua zona de conforto e dar espaço aos outros. Se você não quer ser racista, você não precisa “virar negro” e sim dar espaço para pessoas negras, escutá-las e respeitá-las quando elas falarem sobre suas vivências. 



Quais são seus sonhos?

Terminar minha faculdade e pegar meu diploma é o que mais penso agora. Quero me envolver em projetos de arquitetura que questionem os pontos que eu trago para a profissão, estou me envolvendo mais com arte também e quero construir outros tipos de narrativas. Quero me colocar enquanto arquiteta e urbanista negra pensando em o que é a cidade para mim e como posso ocupar esses espaços. E continuar escrevendo e fazendo o que faço. 





Quais suas referências enquanto mulher negra?

Leio muito e todos os dias a Djamila Ribeiro, Sueli Carneiro, Lélia Gonzales e Maria Clara Araújo. Acho importante ler as que vieram antes, as que estão em foca agora e o que as meninas jovens negras estão falando e escrevendo. O que estou lendo agora é “Americanah”, da Chimamanda Ngozi Adichie e estou achando incrível. Na música eu gosto de música negra das décadas de 60 e 70, escuto a clássica Beyonce e também estou conhecendo gente nova como a Tássia Reis. Todo trabalho de mulher negra eu tento valorizar porque sempre tem algo que eu me identifico em algum ponto, busco valorizar “as minhas”. 


Siga Stephanie no facebook e curta também a nossa página


Trilha Sonora escolhida por Stephanie - Marias, Karol Conká










Nenhum comentário:

Postar um comentário