27 de outubro de 2015

A redação do ENEM e a minha gravidez na universidade

Foto da internet


O tema da redação do ENEM esse ano despertou minha atenção, e eu gostaria muito de poder falar sobre esse assunto tão importante e que me atinge de uma forma tão direta nesse momento. Na prova do MEC não posso falar sobre minhas experiências pessoais, mas a internet tá aí pra isso, então vamos lá!

Eu tenho medo de ser mulher, confesso que quando descobri que teria um menino foi um alívio pra mim. Não queria ter o constante medo também de que minha filha sofresse tanto com o preconceito, com o medo de ser estuprada e desrespeitada por uma sociedade misógina em que eu ainda não consigo ver um fim para tamanha diferença no tratamento entre homens e mulheres. Mas como serei mãe de um menino vou lutar até o fim para que suas avós, tias, madrinhas, colegas, mães e amigas, tenham as mesmas oportunidades que meu filho. 



Não sei como é ser mãe jovem, no entanto sei como é estar grávida sendo jovem e como a sociedade é preconceituosa e até violenta nas palavras e na violação dos nossos direitos. Claro que preciso levar considerar que estou em situação de privilégio em relação a outras mães, pois sou  uma mulher branca, classe média e estou em um relacionamento com o pai do meu filho, o que para sociedade é um grande alívio na minha "carga de culpa" por isso. Eu ainda tenho o apoio dos meus pais, pois para algumas pessoas eles tinham mais é que me punir!






Sair na rua e ir para a faculdade ainda é muito difícil, apesar de eu estar feliz (mesmo que achem que uma jovem grávida não tem esse direito), ainda não me acostumei a ser abordada o tempo inteiro, me incomoda e beira o assédio. Não  podemos fugir do padrão imposto, isso é ameaçador ao que esperam de uma mãe… Nunca ouvi tantas perguntas sobre a minha idade!

Ser apedrejada por ter vida sexual ativa e ser mulher é cotidiano. Mas culpabilizar por gravidez é hipocrisia, afinal todos nós já deixamos de usar métodos contraceptivos, mas somente as MULHERES são julgadas e mal vistas por isso. E o que fazer até quando o movimento feminista deixa as mulheres nessa condição de lado? Quando eu comecei a enxergar a maternidade como algo político, as coisas se tornaram bem diferentes. A sociedade culpabiliza na cara dura a mulher que engravida.

A universidade não tem creche nem para as funcionárias da instituição, o cuidado com nossos filhos só diz respeito à vida privada, e o "problema" é meu, afinal '' eu que fiz''. Essa negligência deveria mobilizar Estado e comunidade, mas o que acontece é que vejo minhas professoras e colegas de faculdade serem hostilizadas por levarem seus bebês para a sala de aula. Nossa sociedade ainda não sabe como lidar com isso: a maternidade. 

Eu vou trancar a faculdade no próximo semestre, pois EU optei por tentar de todas as formas amamentar meu filho, vou deixar o meu sonho de ser jornalista de lado para poder cuidar de outro sonho. Mas EU tenho essa escolha, e as mulheres que não têm? Que não podem estudar, que não têm com quem deixar seus filhos? 

Quero transformar minha experiência em luta e por mais dolorosa que ela seja, sei que vai valer a pena, e que a chegada do Heitor vai ser transformadora. Estou morrendo de medo, mas enfrentarei tudo, principalmente o medo da violência obstétrica. Acho que comigo não vai acontecer, já que tive oportunidade de escolher  minha médica, uma mulher que confio muito. Mas e as mulheres que não tem essa escolha?


Ser mãe é uma luta solitária e difícil, entendo que muitos dos meus amigos e familiares tenham dificuldade de entender o que eu digo porque não estão passando por isso, e isso me motivou a buscar e me apegar a uma rede de mulheres na internet que têm sido minhas amigas nesse processo. 

Sou totalmente a favor da descriminalização e legalização do aborto, até porquê seria  muito egoísta da minha parte não levantar essa bandeira, pois a maioria das mulheres que morrem em clínicas clandestinas não sou mulheres como eu. São as mulheres negras, pobres e marginalizadas pelo Estado. Por que mulheres são castigadas por gozar? Por não ter se prevenido, ou até mesmo não tomado a pílula? Pela falta de cuidado ou egoísmo do parceiro que não colocou a camisinha? Castigo por ter virado mãe cedo? Por ser mãe e querer ter voz?





Gostaria de pedir uma coisa, parem de me olhar com essa cara de susto e de fazer tantos comentários infelizes! Eu sou dona do meu próprio corpo e escolhi ter meu filho. Mesmo que vocês achem que ele vem na ''hora errada''. Mas eu tive essa opção, eu tive escolha, eu tenho um companheiro me apoiando, uma mãe, uma avó, um pai. Eu posso continuar estudando! Mesmo que o Estado, ou até você, que acha que tem o direito de pensar que eu acabei com minha vida ou meu sonho, e na verdade você nem sabe qual é. Esse grito é para você que acha que tem o direito de me tratar com tanta violência psicológica e que não respeite os meus direitos.  

Eu escolhi ser mãe e vou lutar pelos meus direitos e pelos direitos das mulheres, mães ou não, amigas ou não. Obrigada a todas as pessoas que tem me apoiado e que lutam pelos direitos da mulher, vocês são humanos que eu amo ter conhecido.


 

Luiza Felipe é mulher, feminista, jovem mãe e estudante de Jornalismo na Universidade Federal de Ouro Preto. 




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