25 de abril de 2016

Quantas lésbicas você já viu hoje?

Por C.F

Você não verá minha assinatura no fim deste texto. Para você, eu não tenho nome nem rosto. Por que? Porque sou invisível e sofro com a falta de representatividade: é que sinto os prazeres - e as dificuldades - de me relacionar com outras mulheres. Eu nunca tinha pensado sobre o dia em que revelaria minha orientação sexual para minha família, apesar de sempre ter acreditado que assumir a homossexualidade é um ato político. No caso de lésbicas é também um grito sobre existência. É resistência. Ser mulher não é fácil, nem preciso dizer o porquê. Ser uma mulher que ama mulheres, em uma sociedade heteronormativa e misógina, é um desafio ainda maior.

- "Se assume e some!", disse meu pai quando descobriu, há pouco tempo, que sou lésbica. O meu apagamento começa dentro da minha própria casa - da qual ainda não fui expulsa -, quando meus pais pensam que estou no caminho errado, me desvirtuando dos valores familiares. A minha vivência e os meus sentimentos são deixados de lado quando eles acreditam que passo apenas por uma fase (ruim) e ignoram que isso sempre fez parte da minha vida. A minha solidão consiste no fato de que, talvez, demore um bom tempo para que eles acolham minha namorada e eu.


Eu não queria apenas me divertir quando percebi, aos 15 anos, que queria ficar com meninas. Para mim, não era somente uma experiência. Era algo sério e importante, mas que acabou sendo frustrante por um único motivo: a maioria das mulheres com quem me relacionei estavam apenas "curtindo", não era algo concreto. Me envolvi com homens também, inclusive namorei com um por seis anos e estava certa de que estava fadada a um casamento monótono. Eu nunca me senti completa e depois de muitas idas e vindas, tudo recomeçou: no auge dos meus 20 e poucos anos, me (re)descobri.

Costumo dizer que este é um processo de autoconhecimento, com um turbilhão de sensações e sentimentos. Processo porque, desde sempre fomos socializadas e culturalmente moldadas para sermos heterossexuais. A sociedade patriarcal se beneficia da heteronormatividade, que é uma forma de dominar e explorar mulheres, fortalecendo, entre outras, questões ligadas ao casamento, família, feminilidade e sexualidade. 

Muitas de nós, acredito, já passaram por um relacionamento hétero porque acreditaram que era isso que deveriam fazer. São os efeitos da heterossexualidade compulsória, que nos afasta de quem realmente somos e alimenta a ilusão de que mulheres dependem de homens, seja no âmbito emocional, físico ou financeiro. Em uma sociedade falocêntrica, não nos é oferecida a possibilidade de sermos felizes com uma igual. 






Ainda estou aprendendo e sentindo o que é ser lésbica. Viver é muito diferente de imaginar. Embora eu pudesse presumir o que aconteceria, ninguém me disse o que viria junto de um "eu amo uma mulher". Ninguém me disse que com algumas pessoas eu me sentiria segura ao expressar meu sentimento em alto e bom som e com outras, não. Ninguém me disse que, a qualquer momento, poderiam me virar as costas. Ninguém me disse que, vivendo em uma cidade pequena, eu teria que enfrentar os cochichos e olhares tortos. Ninguém me disse que eu teria que conquistar, ainda mais, a minha independência não só financeira, mas sobretudo emocional. 

Por outro lado, não me contaram o quão libertador poderia ser colocar a cara no sol, mesmo que uma pequena sombra continue aqui, bem atrás de mim. O quanto estar ao lado de uma pessoa incrível me faria querer mudar o (meu) mundo. O quanto os beijos e as trocas de carinho em público me fortaleceriam e me mostrariam o verdadeiro significado de resistência. O quanto aqueles que realmente se importam me ajudariam a enfrentar os meus anseios. O quanto feministas lésbicas de todos os cantos poderiam me inspirar. O quanto eu me sentiria tão bem comigo mesma ao ponto de querer, a cada dia, mostrar que eu estou aqui.

Visibilidade lésbica diz respeito aos nossos direitos e às nossas demandas. Tem a ver com as violências que sofremos e com a manutenção de um modelo social que nos oprime. É sobre nossa orientação sexual ser respeitada, não questionada e fetichizada. Para você, eu posso até não ter nome nem rosto, mas eu existo. Não queremos - nem devemos - ser invisíveis. E antes de querer me conhecer, pare e pense: quantas lésbicas você já apagou hoje?




C.F. não é recatada, é inquieta. Quando vê, já problematizou, falou e escreveu. Coisas de jornalista. Não posta tanto quanto gostaria, mas mantém o Blog Só um Rascunho  firme e forte.








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