2 de março de 2015

Jean Honoratto: "Gosto de ser como sou. Adoro a incógnita"

Foto: Lucas Soares
Um metro e oitenta e oito centímetros. Sessenta e quatro quilos. Um salto alto e aquele andar de modelo que parece não ter saído da passarela. Definitivamente, Jean Honoratto não passa despercebido. Antes de nos conhecermos pessoalmente, em uma conversa pelo facebook eu o chamei de ela. Só depois de alguns minutos reli a mensagem e percebi a gafe. Pedi desculpas envergonhada e perguntei como preferia ser tratado. Ou tratada? Jean riu. Acho que riu da minha cara, riu de si mesmo, riu da obviedade do mundo e do quanto ainda nos desconcerta a liberdade do outro em simplesmente ser o que é.

Quem

Tenho 24 anos e nasci em Carmo do Rio Claro, Minas Gerais. Minha mãe é cozinheira e meu pai trabalha numa fazenda. Tenho um irmão mais novo, de 18 anos. A família é grande e meu relacionamento com todos é ótimo. Tive uma infância feliz e brinquei muito na rua. Nunca reprovei de ano na escola, mas sempre fui um aluno bagunceiro. 

Eu criava roupas para as barbies desde pequeno. O interesse por moda já estava em mim. Minha mãe percebeu cedo quem eu era e lidou com isso muito tranquilamente. Eu também queria brincar de boneca e aos 7 anos ela me deu uma boneca. Minha auto aceitação como gay foi fácil, pois sempre tive apoio dentro de casa.

Moda

Aos 15 anos recebi o convite para participar de um concurso de modelos na escola. Depois do primeiro, participei de vários. Uma agente de uma grande agência de moda me descobriu através de contatos na minha cidade e me convidou para ser modelo dela. Mas existia uma pressão para que o corpo tivesse formas mais “masculinas”, então eu não quis. Aí terminei o Ensino Médio e fui fazer faculdade de moda numa particular da região.  

Profissão

Durante a faculdade trabalhei muito com produção de moda, fiz estágios e às vezes desfilava. Estou formado e há três meses me agenciei em Ribeirão Preto e já fiz alguns trabalhos. O plano para 2015 é ir para São Paulo trabalhar. Agora eu quero ser modelo. Tenho dimensão total do que é isso. Estou me preparando, faço dieta, exercícios, curso de inglês e acompanho as tendências. A faculdade me deu maturidade, disciplina e noção de mercado. Acho que é esse é meu diferencial enquanto profissional. Não tenho pudor de nada. Se tiver que fazer nu, eu faço. É o que eu quero e para isso vou correr atrás. Tem que acreditar e fazer acontecer. 


Foto: João Cássio Júnior
Identidade Andrógina

Estudando moda percebi que poderia usar o que quisesse, que moda não tinha limite. Me senti confortável em vestir roupas femininas e passei a usar. Costumo misturar peças e referências do que é masculino e feminino e me sinto bem assim. O modelo andrógino rompe preconceitos. O impacto é diferente do que uma campanha com um modelo não andrógino. Pra mim é bem mais difícil posar como homem, minha identificação com o feminino é bem maior. Mas nunca tive vontade de transformar meu corpo, gosto de ser como sou.

Adoro a incógnita. Por diversas vezes não me deixaram usar nem o banheiro feminino e nem o masculino. Sempre tenho esses problemas... O andrógino busca versatilidade, busca transitar por dois universos. Não existe um objetivo em ser andrógino, é uma identidade. 





Preconceito

Todo mundo me conhece na minha cidade. No começo era difícil, as pessoas apontavam pra mim na rua. Mas sempre me aceitei e fui bem resolvido. Sofri preconceito por ser negro e por ser gay. Mas eu sempre achei que o preconceituoso é vazio, então ele não merece nada de mim. Se alguém me apontava na rua e me chamava de “bixa”, eu andava de cabeça erguida e respondia: “sou gay mesmo”. E seguia. Até todo mundo me engolir, até todo mundo parar. Acho que a aceitação dentro de casa contribuiu para minha força, porque eu nunca tive medo de chegar em casa e contar o que eu passava na rua. Eu me sentia acolhido em casa. 

No mundo da moda existe mais preconceito por parte dos modelos homens. Acho que no mercado a visão é mais positiva, pois na moda ser diferente é positivo. Acredito que dar a cara para bater no dia a dia é o que mais contribui para a quebra de preconceitos. Ter pessoas famosas como referência também é importante para que os outros vejam e se inspirem. 

Foto: João Cássio Júnior

Quebra de padrões

Moda é forma de expressão. Você veste o que você quer mostrar de você. Tudo é moda e moda é arte. Eu vejo moda na forma de uma flor, no formato desse banco em que estamos sentados. Todo mundo tem um estilo, mesmo que esse estilo seja “fora da moda”. Esses diferentes nichos de mercado (modelos trans, plus size e andróginos) ajudam as pessoas a se enxergarem na moda. Isso é importante para a auto estima das pessoas, para se sentirem representadas. 








Sonhos

Tenho muito trabalho pela frente. Quero ir para São Paulo e de lá tentar o mercado internacional. Sempre vão achar um defeito em você. Mas acho que estamos começando a romper padrões na moda. O mercado está buscando coisas novas e nós estamos tentando entrar nesse mercado. Ter sucesso é fazer o que gosta. Dinheiro e fama são consequências. Meu legado seria ter carreira, meu nome e meus trabalhos. Sonhando alto, quem sabe uma capa da Vogue né? 

Foto: Leonardo Romero





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