22 de maio de 2015

"Acredito na mudança se ela vier de baixo para cima"

 
Deputado Chico Alencar - Foto da internet

Chico Alencar é deputado federal pelo PSOL Rio de Janeiro. Atualmente é o líder da bancada do partido na Câmara Federal, membro titular da Comissão de Constituição e Justiça e da Comissão Especial da Reforma Política. Chico é professor de História, pai de quatro filhos e carioca da Tijuca. Apesar de tudo e de todos, Chico é político que faz política que rema contra a maré. Chico é o cara que faz a gente crer na letra daquela música que um outro Chico escreveu e que permite a gente cantar com fé "amanhã vai ser outro dia..." 


DL- Qual o caminho para uma transformação política no Brasil?

CA- Transformar a sociedade brasileira só através dos partidos políticos é impossível porque os partidos políticos estão dentro da institucionalidade e as amarras conservadoras deles são muito fortes. Existe uma burocratização dos partidos que atrapalha, e também as oligarquias internas, os círculos de ferro de poder dentro dos sindicatos e o próprio ser humano que repete erros quando está no poder. 

Numa transformação social política profunda é preciso ter  uma frente que mobilize um grande número de entidades e organizações da diversidade humana como movimentos LGBTT, de mulheres, de jovens, religiosos, culturais etc. Para um partido contribuir com uma transformação ele tem que perceber que hoje ela é necessariamente múltipla e tem que ser um partido do movimento e não dirigista.

DL- É possível dizer que existe algum modelo de transformação?

Não temos mais um modelo de revolução. Eu sou daquela geração que olhava a Revolução Russa como modelo e que teve grandes ícones como Che Guevara. As pessoas precisam de ícones, o meu é São Francisco de Assis. Mas hoje temos outros caminhos para a transformação, pois o mundo mudou muito! Para o bem e para o mal. A compreensão de tempo e espaço, as comunicações... No tempo do Marx não tinha televisão nem rádio, pô. É outra realidade e é um erro a esquerda pegar aquilo que foi escrito no século XIX e transportar diretamente para hoje. Claro que temos textos geniais que nos dão um bom legado, mas o mundo está muito diferente e as revoluções serão muito diferentes. Eu acredito na transformação e acredito na mudança se ela vier de baixo para cima. Eu vi bem em 2013 o temor dos deputados diante do povo nas ruas.  

DL- Como é o cotidiano de enfrentamento no Congresso?

CA - O Congresso é um horror, eu já tive até problemas de saúde por causa daquilo lá. Tem que fazer um exercício de “saudabiliade” senão você fica amargo, prisioneiro e reacionário. Somos ínfimos e é uma dureza. Você tem que se desdobrar e estar em vários lugares ao mesmo tempo e a gente não consegue. Mas são muitas situações que mostram que mesmo sendo poucos nós incomodamos. 

DL- Como o PSOL é percebido pelos outros partidos na Câmara dos deputados?

CA- Uma vez um deputado disse numa plenária: “Aqui temos o pessoal do governo, a oposição e temos o PSOL que é excêntrico, fora do eixo”. Fiquei pensando que era um elogio. Vivem dizendo que somos contra tudo, o partido “do contra”. Uma vez um deputado do PMDB veio me perguntar em quantos éramos (representantes do PSOL no Rio) e chutou entre 15 e 20 aí eu respondi que éramos só três na época e ele falou: “Não acredito! Mas vocês são chatos pra caralh**! Fazem muito barulho e falam toda hora!”. Já ouvi de um parlamentar que nós somos esquerdistas lunáticos, mas pelo menos somos honestos. (Risos) Falam no sentido de nos acharem bobos. Mas acho que a percepção é positiva. 

Chico por André Luiz Melo



DL-Como a maioria dos deputados enxerga as manifestações populares?

CA- Primeiro eles têm medo de serem substituídos e depois querem saber quando acaba. Eles não gostam, é óbvio. Nessas últimas de março (pedido de impeachment da presidenta Dilma) muitos pegaram carona e compraram o discurso falando sobre ouvir a “voz das ruas”. Mas é claro que eles querem ouvir a “voz das ruas” se elas forem um monte de cãezinhos adestrados e não uma cachorrada que incomoda e morde, aí fica perigoso. Isso é da tradição do conservadorismo político brasileiro. Gostam de manifestação desde que possam controlar. Já nós (PSOL) queremos que as praças incomodem os palácios sempre. O sentido profundo da democracia é a tensão permanente. Para isso acontecer tem que lotar as praças e ter bandeiras nítidas de reivindicação e posicionamento político. A novidade é que as praças andam se enchendo da direita conservadora que saiu do armário e perdeu a vergonha. É uma questão de disputa de ideias. Então os parlamentares torcem para as mobilizações populares acabarem e sentem-se roubados com o povo na rua, pensam: “Por que o povo está na rua? Nós os representamos!”. Eles não percebem bem as coisas, mas vamos caminhando.

DL- Como avalia brevemente o cenário político atual no Brasil? 

CA- A era Lula e Dilma perdeu uma chance de desmontar um pouco mais esse sistema, preferiram fazer o arco de alianças que fizeram e se acomodar. Para o sistema a Dilma não é um problema, se ela ficar bem manietada como já está não é um problema. Olhem só os nomes que comandam o Congresso... O pessoal do PSDB acha que o PT já encheu e que tem que tirar do poder. Mas também pensam: "Tem que ir um dos nossos, mas não precisa ser através de impeachment, porque aí vem um Michel Temer no lugar dela e pode ser perigoso para nós". 

O cenário está controlável pelas forças conservadoras. Não há nenhum movimento de profunda mudança na sociedade brasileira. Mas o povo está em luta. Quem arranca a política habitacional nesse país são os movimentos sociais que lutam pela casa. Eu já dialoguei muito com esses líderes de movimentos e eles têm uma concepção muito boa do “pau e prosa” que é mobilizar, mas dialogar com quem quer que seja o gestor da política pública para garantir alguma coisa, senão não acontece nada. 

DL -Que recado você daria a geração atual da militância estudantil?

CA- Confesso que estou por fora das questões internas da UNE. Mas a UNE tem uma tradição na minha história de vida. Ela tem um papel muito importante lá nos tempos de resistência à Ditadura. Meu lado tradicionalista acha que preservar essa entidade é bom, mas os estudantes devem disputar o comando da entidade e impedir seu aparelhamento por um partido só, mesmo que seja o meu, não pode. E dialogar com a estudantada. Estou impressionado com o tanto de estudante conservador que tem por aí, egoísta e cego pelo egoísmo industrializado dos nossos tempos que só faz pensar na própria carreira e no emprego. Nós esquerdistas não devemos achar que esse tipo de cara está perdido e que é um reacionário, tem que tentar dialogar. Eu já vi muito em universidade quando um cara do diretório chega numa sala para falar e a maioria da turma rejeita o discurso, acha chato. A verdade é que a gente tem um discurso muito panfletário e repetitivo que não dialoga. Você chega com a sua verdade e se acha superior àqueles "babaquinhas alienados" e deixa seu recado lá. Resultado? Quantos votam para os DCES? E a UNE é uma super estrutura, mas fica mais esvaziada ainda. Não pode virar uma entidade para fazer carteirinha de estudante e finança para partido. Lutem, continuem lutando. 


Eu e Chico Alencar

DL - Qual a relação entre o controle dos meios de comunicação e o controle de poder no Brasil?

CA- Arrisco dizer que quem controla a comunicação comanda os destinos de uma nação. Isso é um problema no Brasil. Temos que democratizar, temos uma lei de iniciativa popular pela mídia democrática que devíamos espalhar muito mais. É um instrumento de luta. Eu já não magnífico esse monopólio da Rede Globo, acho que hoje ela produz quase igual uma Record ou SBT, só que com mais qualidade técnica. É tudo voz do dono e dono da voz, ideologia dominante. Mas tem reportagens interessantes também, as contradições também chegam lá. Mas sabe qual a maior preocupação dos sete grupos que comandam a comunicação no país? A internet. A informação, a notícia e a opinião estão cada vez mais disseminadas, pulverizadas e sendo formadas por um monte de mídias, especialmente as alternativas. As pessoas não estão mais dependendo exclusivamente de televisão. Aquele poder de fazer cabeça e coração já decaiu muito. A internet é um instrumento fantástico e os grandes poderosos da comunicação já querem controlá-la também porque os provedores são todos privados. É importante dizer que na internet tem muito lixo também, precisamos nos atentar as ideologias das postagens e quem faz parte dos nossos círculos. Formar opinião é um processo contínuo, é preciso trocar. É preciso ouvir os outros porque todos nós podemos ser formadores de opinião. 


DL- Vivemos tempos de ódio à esquerda e de um conflito de ideologias pautado pela ignorância. O que acha disso?

CA - Acho que o que estamos vivendo é momentâneo. Vivemos tempos de obscurantismo e de ilusões perdidas. É um momento de regresso conservador. Os problemas gravíssimos do PT no governo e especialmente a corrupção, que é real, (mesmo tendo sido maximizada pela mídia) afeta todos nós (outros partidos de esquerda), pois no senso comum as pessoas entendem que foi o resultado da esquerda no poder. E isso gera uma descrença na política e um comodismo de ideias. Mas esse ódio ao pobre e essa impressão de que existem mais preconceitos é porque houve um crescimento do empoderamento das minorias, então a reação está aparecendo. É um tempo de muita contradição, mas não desanimem e nem se desesperem. Remar contra corrente é sempre difícil, mas o peixe rema contra a corrente para se reproduzir. Temos que caminhar para aquilo que dá sentido as nossas vidas. 


Chico fazendo política na rua - Foto do instagram oficial


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