10 de agosto de 2015

Por que a culpa é sempre delas?


Gabriela Pugliesi - Foto da internet


Nas últimas horas um boato ganhou o mundo das celebridades na internet e levantou a polêmica da semana. O que isso tem a ver com feminismo você vai descobrir no próximo parágrafo, antes preciso apresentar de que ponto parte essa conversa e de que quem vou falar. Gabriela Pugliesi é uma modelo fitness e empresária de sucesso, e João Vicente é ator e um dos comediantes do grupo Porta dos Fundos. Eles foram fotografados de mãos dadas na saída de um evento no último fim de semana e logo surgiu o boato de que estariam “ficando” ou namorando. Gabriela já foi casada, teve uma separação conturbada exposta na mídia ano passado, e na época foi atacada como “destruidora de lares”. Há alguns dias ela anunciou o término de um namoro. João Vicente já namorou algumas mulheres famosas, a última foi a apresentadora Sabrina Sato, de quem se separou há três meses. 

Nada disso tem real importância a não ser para os dois, mas o que me fez escrever foram os ataques machistas contra Gabriela. Talvez seja ingenuidade minha ainda me surpreender ao ver como as pessoas tem coragem de usar a internet para atacar as outras e muitas vezes dizer coisas que jamais diriam pessoalmente a mulheres conhecidas ou desconhecidas. O que Gabriela fez?
Ela é uma mulher livre e independente que cometeu o crime de andar de mãos dadas com um homem dias depois de anunciar o fim de um namoro. Nas postagens em que a foto e a notícia repercutem é possível ler uma avalanche de comentários que se dividem entre xingamentos por ela ser “rápida demais”, “traidora”, “piriguete” e outros que a desqualificam por ser inferior a ex namorada de João, Sabrina Sato. 



Em um desses comentários uma seguidora reproduz machismo ao dizer: “Essa é a menor das trairagens. Pior é o que ela fez com o próprio marido. Ninguém supera Sabrina, isso foi só uma “comidinha”. Prefiro pensar assim...” Não vou entrar na discussão a respeito das mídias que se alimentam de fofocas e de como as pessoas que acreditam se tornam juízes no “tribunal da internet”. Mas é preciso tentar enxergar o porquê nós mulheres nos mobilizamos com tanta facilidade para atacar outras mulheres e colocarmos homens no centro de preocupação e defesa, mesmo quando nem sabemos quem são esses homens e como eles tratam as mulheres com quem convivem. Além disso, a fala da seguidora sugere que o sexo “sem compromisso” é o castigo que Gabriela merece por ser “inferior” a outra mulher com quem João namorou. 



Não importa o contexto em que ocorre algo entre ela e João, Gabriela é julgada porque não é vista como dona de si, de seu corpo e de suas ações. A impressão que tenho é que se ela é mulher, então ou está no quadro para competir com outra mulher ou para disputar o amor desse homem. E para isso ela deve se comportar de acordo com as normas machistas que a privam de fazer escolhas e só servem para beneficiar...  os homens. 

Gabriela em um de seus treinos 

Em momento algum João Vicente é xingado por estar de mãos dadas com uma mulher. Em momento algum questionam o modo como ele vive sua vida, sua sexualidade, ou mesmo discutem sobre ele estar de mãos dadas com uma mulher realmente significa algo além de estar de mãos dadas com uma mulher. Citam o homem da história apenas para tentar diminuir uma mulher ao compará-la com outra, como se Sabrina e Gabriela tivessem que competir por beleza, simpatia e feminilidade para disputar esse homem. 

Uma fofoca de internet é só uma fofoca de internet, mas ela diz muito sobre quem somos aqui do outro lado da tela do computador. Esse tribunal da moral que decide julgar Gabriela por ser mulher e tomar suas decisões a respeito da própria vida é o mesmo da história que culpou Eva, puniu Madalena, jogou pedras na Geni e idealizou Amélia. A linha é tênue entre a internet, a rua e todos os  feminicídios diários que vemos e que não vemos nos jornais. 

Nós somos criadas nessa cultura machista que além de nos oprimir, nos cega para nos fazer inimigas. Ao ofender, agredir, competir ou julgar outra mulher estamos apenas reproduzindo o machismo que nos foi ensinado. Não temos culpa por termos crescido numa estrutura que nos ensina o ódio entre nós para manter uma cultura de privilégios dos homens. Mas temos saída. Não há outro caminho para desconstruir esse círculo vicioso e tirar a venda que nos tapa os olhos a não ser o feminismo e a empatia entre nós

Antes de julgar ou agredir outra mulher, pense que ela poderia ser você, sua irmã ou sua mãe. E provavelmente pode ser, será ou já tenha sido. Só nós sabemos o quanto dói ser comparada, assediada, julgada e culpabilizada por coisas que nos atingem apenas por sermos mulheres. Pode parecer superficial partir de um exemplo tão raso e corriqueiro como uma fofoca de celebridade, mas é absurdo pensar que mesmo depois de tanta luta por direitos, tantas mudanças e tantas mortes acontecendo, ainda precisamos nos livrar daquele machismo que se esconde nas sutilezas de julgamentos morais que só são expostos quando mulheres são expostas. Não importa o que Gabriela, eu, você ou a vizinha fazemos da vida, mas faz toda diferença saber que não estamos sozinhas ao cobrar respeito, e que não há moral que pague o preço da nossa liberdade. Se joguem, migas!



Leia outros textos  dessa categoria e curta nossa página no facebook

Nenhum comentário:

Postar um comentário