14 de outubro de 2015

Feminismo revolucionário, talvez nem tanto assim...

Por Danielle Louise

Arte de Cecília Ramos

Eu tive meu primeiro contato com o conceito do feminismo quando fiz uma pesquisa sobre cultura de estupro e então o nome e o conceito me vieram à tona. A princípio eu nem fazia ideia do que tratava o feminismo, apesar de hoje em dia perceber que em mim sempre existiu uma chama de libertação que eu não sabia bem o que significava na época.


Depois de iniciada no movimento, comecei a rever sobre vários aspectos de minha vida. Verifiquei que havia muita coisa errada, muitas coisas a serem modificadas. E então, minha jornada começou e continua até o momento.

O feminismo é empoderador, o feminismo nos faz repensar sobre o que é "ser mulher" na sociedade atual. O feminismo consegue nos fazer enxergar a fonte de nossas opressões. A opressão de ser mulher. De ter uma vagina e ser condenada por isso.

Infelizmente, para mim, uma mulher negra que tem de lutar contra a supremacia branca que dita a falsa democracia racial, o feminismo não é o bastante. É necessário muito mais, pois mulheres brancas não sofrem com o racismo. (E não venham com essa estória de racismo reverso, porque isso nem sequer existe!) Minha luta, a luta das mulheres negras vai além do que se trata o machismo. Enfrentamos também o racismo. Somos aquelas que morrem condenadas nas periferias, somos aquelas que morrem nos açougues, na esperança de modificar sua vida e não torná-la mais marginalizada com mais um filho a ser criado. Somos aquelas que sofrem violências por conta de nossa melanina, nossos corpos hiperssexualizados, nossos cabelos, em sua maioria, crespos e volumosos, nossa condição de ser uma mulher negra. Não temos representatividade em nosso meio. Não temos ninguém a nos apoiar, a não ser nós mesmas.



Quando a voz do racismo se fez ouvida, eu quis gritar de volta. Mas o racismo nos coopta e leva o nosso melhor. Leva nossos filhos e filhas, nossos pais, nossa mães, nossa família inteira. Leva nossa esperança. E nos deixa o abandono. O abandono e o desespero. E nada disso o feminismo nos ensina. Nada disso o feminismo me mostrou. Temos de ir além. Perceber que o feminismo não nos representa como mulher negra, também não é fácil. Passa-se a perceber que nem mesmo dentro do movimento sobre mulheres, a mulher negra tem representatividade e voz. 








Exatamente por isso que, como mulher negra, temos de expandir a nossa ideia de feminismo: "unidas vamos lutar contra o patriarcado!". Ok. Lutemos contra o patriarcado. Mas e o racismo que nossas próprias "companheiras de lutas", as feministas brancas, também são causadoras? Temos de fazer vista grossa quando uma "irmã feminista" é racista conosco? Não. E ninguém pode te obrigar a isso. Nada de sororidade. Nada de empatia. Racismo é racismo. A miga branca feminista pensou em ser sororária com a miga negra, na hora que destilou racismo sobre ela? Na hora que silenciou a miga negra? Na hora que abafou o que a miga negra tinha a dizer, porque não julgava tão importante assim? Eu aposto que não. Porque racismo é algo que elas não entendem, e também não querem tentar entender. Não as atinge, para que lutar por algo fora de sua lista de opressões vividas? Não precisam se dar ao trabalho. E mesmo aquelas que até se dão esse trabalho, cobram empatia das mulheres negras, sobre como elas devem ensinar às migas brancas a não serem racistas. Racismo é desconstrução, não é mesmo? Elas tem de desconstruir com a ajuda da miga negra que, além de ter de se defender do racismo do feminismo, ainda precisa ensinar a feminista branca a não ser racista.

Referência do feminismo negro - Angela Davis

Feministas brancas que adoram dar cartada de sororidade para não serem acusadas de racistas. É racista, mas não se esqueçam da sororidade, ela é super importante! Usam de frases empoderadoras (só frases mesmo!) para afirmar que estão nos ajudando em nosso processo de empoderamento. Rabiscam as paredes das universidades como sinônimo de força e luta. Feminismo resiste! Mas esquecem que existem mulheres que trabalham na limpeza dessas universidades. Esquecem que essas mulheres precisam também de empoderamento. Inclusive lhe presenteiam até com maquiagem usada. Olhem só! Quanta gentileza, não é mesmo? Injustiça é a nossa reclamar tanto de feministas brancas! Temos de ajudá-las nesse processo de desconstrução. E muitas vezes temos também de ser usadas como token. Faz parte de nosso papel dentro desse feminismo branco.

Preta, você não tem obrigação nenhuma de ajudar branca a desconstruir nada. O bom senso ainda existe. Elas precisam usar um pouco disso, invés de ficar perguntando a cada frase dita, se estão sendo racistas.

Hoje me intitulo feminista a título de identificação. Não me encaixo nesse feminismo que acabei de descrever. Temos o feminismo negro que é muito empoderador. Muitas mulheres negras aprendem a combater o racismo através dele, simpatizando com outras mulheres negras. A empatia da mesma vivência nos une. Apesar de pequenas ressalvas, vejo que obtém um saldo positivo para muitas.


Talvez, para mim, como maior reconhecimento atualmente, esteja o negralismo. Negralismo para quem não conhece "é um movimento de mulheres negras, brasileiro, independente e descolonizado da colonização masculina e branca". Sim, colonização masculina e branca devido o feminismo ser para mulher branca e por causa do machismo que encontramos no movimento negro. (Quem quiser conhecer mais sobre o Negralismo basta clicar no site do movimento aqui e saber mais um pouco no blog da Keli, cliclado nesse outro link aqui)

Então, em tudo o que pude visualizar nesse tempo dentro do feminismo é que as prioridades são seletivas. Discute-se o machismo, mas não se discute o racismo das próprias feministas e, muito menos, podemos chamá-las de opressoras porque aí é quebra de sororidade, né. 

Mas é isso, migas pretas. Não deixem que te calem ou que te silenciem. Ocupem. Tomem suas vozes para si. Imponham seu espaço. Não tenham medo de exigi-lo dentro do feminismo. Aquele espaço, apesar de tudo, também é nosso. Não deixem que te derrubem. Falem mais alto. Se não for o suficiente, gritem. Mas jamais as deixem te calarem ou te apagarem. Não tenham medo de não serem sororária porque estão falando para vocês serem. Estamos nessa por nós mesmas. 



Não aceitem. Não somos obrigadas. Você não é obrigada, preta.


Danielle Louise, 22 anos. Nascida e residente em São Luís, Maranhão. Estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão. Feminista. Militante do movimento negro. Apaixonada por séries e filmes. Fã de Linkin Park. Escreve no blog "Fala Mulher, preta"

3 comentários:

  1. Muito obrigada por postar meu texto. Espero que todas gostem e inspire muitas pretas. <3

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  2. Que bacana esse texto, parabéns! Vou compartilhar!
    Sempre aprendo muito com o feminismo negro e adorei o Negralismo. Vou procurar.
    Aliás, eu me sinto mais representada pelas pautas do feminismo negro pois ele tem uma visão de classe e de reconhecimento do poder da história da mulher negra que o feminismo branco e burguês não entende e sequer conhece. E segue a luta!

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    1. Muito obrigada mesmo por seu feedback. Fico feliz que tenha gostou do texto. Sim, seguimos a luta. continue acompanhando! <3

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