7 de janeiro de 2016

Ludmilla e o sucesso que incomoda

Ludmilla - Divulgação/internet


Se você não conhece Ludmilla ou ao menos nunca escutou a música “Hoje”, provavelmente não está frequentando lugares populares. A funkeira e cantora pop vêm emplacando seguidos hits de sucesso e suas músicas tocam desde aniversário infantil até festa de confraternização de empresa. Em 2015 ela lançou CD novo, ganhou prêmios por votação do público, fez participação em novela, show em Nova York e cantou no especial da Globo com Roberto Carlos. Não há como negar o sucesso da jovem carioca de apenas 20 anos, mas parece que há quem se incomode.

Não é novidade dizer que apesar da recente e crescente popularização, o funk ainda é um estilo musical que sofre preconceito por ter vindo da periferia e por suas raízes estarem fortemente ligadas ao protagonismo midiático de pessoas negras. E quando falamos de Ludmilla, uma jovem negra de sucesso e empoderada, esse preconceito vem também com uma carga do machismo que toda mulher precisa enfrentar no meio do funk. 

Em premiação - Divulgação/Globo

Um fenômeno pop e midiático que antecedeu um pouco Ludmilla foi Anitta e antes dela, Valesca. As três iniciaram a carreira cantando funk em bailes, mas só conseguiram aceitação na mídia (principalmente tv e revistas) depois de passarem por um processo de transformação de imagem e na produção de suas músicas. Esse processo incluiu desde uma mudança visual e estética das mulheres, passando pelo estilo das músicas, (que agora ganham uma batida mais leve que o funk) até o modo como se apresentam e falam sobre sexo. A escritora Jarid Arraes fala sobre isso brilhantemente (nesse texto)  sobre Anitta. 

Todas essas mudanças para tornar essas mulheres mais “aceitáveis” aos padrões midiáticos de beleza e comportamento da mulher no Brasil se referem principalmente ao apagamento de características que fazem parte da identidade delas: gênero, classe, raça e cultura. Mas diferente de Anitta, que tem o passe livre da branquitude para ser uma “diva”, Ludmilla ainda precisa, mesmo depois do inegável sucesso, reafirmar seu lugar de poder. 





Para um público acostumado a ver mulheres negras apenas na sombra das loiras da Tv, 2015 deve ter sido um ano difícil com o sucesso de Maju, Taís Araújo, Cris Viana, Karol Conka e Ludmilla. Além do talento e das conquistas profissionais, Ludmilla tem uma característica que incomoda muita gente e muito mais. Ela rebate as críticas, já se afirmou como feminista e faz questão de mostrar que sim, também pode ser uma mulher negra rica, “diva” e com autonomia. 

Foto de divulgação

Recentemente três manchetes envolvendo a cantora mostraram, como ela diria, o “recalque” racista e machista de alguns por seu sucesso. A primeira notícia (veja aqui)  é de que ela vive por escolha própria um relacionamento do tipo “amizade colorida” há três anos com um belo jogador de futebol. Tanto ela quanto ele já disseram que não assumem um namoro porque Ludmilla não quer. Para os leitores mal amados dos comentários de notícias, a situação beira o surreal. Como pode ela não querer um homem? Uma das leitoras sugere até que Ludmilla “agarre logo a oportunidade única”. Para eles, parece absurdo uma mulher negra não ser preterida, escolher a forma como se relaciona com um homem e ainda estar feliz assim, tomando as rédeas da própria vida e decidindo que um homem não é a prioridade. 

A outra notícia (veja aqui) é sobre a cantora ter comprado uma lancha e um jet sky e postado nas redes sociais sua alegria em ter se presenteado com os luxos. Os sites de fofoca dizem que ela ostenta e os comentaristas de internet que ela deveria ser mais humilde e não perder as “raízes da favela”. Não me lembro dessa repercussão quando Ivete e Cláudia Leitte compraram aviões particulares... Ludmilla está colhendo os frutos de seu trabalho e realizando seus sonhos de consumo, como todos têm. Mas a impressão que tenho é que ela não pode ser rica sem culpa, não pode rejeitar o lugar à sombra que sempre foi dado as mulheres negras famosas no "show bussiness". O lugar em que se dificulta ao máximo a abertura, e quando torna-se inevitável reconhecer o sucesso, espera-se que elas sejam discretas e não “ousem” mostrar seu poder como Ludmilla faz.

Foto - Ego/Globo


A última crítica à cantora (veja aqui)  foi por ela ter postado um vídeo em que faz uma dança sensual com um fã durante seu show. A cena não difere em nada do que ocorre há décadas nos bailes funks, mas na maioria das vezes tendo as mulheres como participantes passivas no palco. A dança também não é nada que não esteja presente também nas coreografias de Anitta ou estrelas internacionais como Rihanna. Os xingamentos machistas foram postados na página da cantora e também nos comentários das matérias de repercussão. Ludmilla respondeu e usou uma palavra chave para entender esse Brasil que conta os dias para o Carnaval, mas fica indignado com uma dança consensual entre dois adultos: hipocrisia. Aproveito para lembrar aqui que também nunca vi o cantor Munhoz, da dupla Munhoz e Mariano, sendo atacado por tomar banho no palco com suas fãs e passar quase todo o show de sunga “sensualizando”. Muito pelo contrário, seus vídeos são ovacionados e a performance é considerada até divertida. O machismo grita e só não ouve quem não quer.

Ludmilla vive o "improvável" para uma garota negra da periferia. Aos 20 anos pode comprar a própria lancha, usar vestidos de estilistas internacionais, ir para Nova York de primeira classe e ainda sentar no sofá do Jô para contar sobre a viagem. Isso nunca incomodou quando a cinderela da vez era Sandy, Wanessa Camargo, Xuxa, Angélica ou até mesmo Anitta. Mas agora incomoda porque Ludmilla é só o início de uma geração de meninas que quer representatividade e que está desmascarando o racismo velado de um país que vive um dolorido processo de transformação. 

Enquanto os anônimos da internet perdem tempo destilando ódio atacando Ludmilla, ela ousa seguir sendo “diva”. Aos recalcados, o recado vem através de outro hit: “Tu não tem nada pra fazer e fica nessa agonia. Fala de mim, pensa em mim, 24 horas por dia. Só sabe meu primeiro nome e acha que me conhece. Olha se põe no seu lugar vê se comigo não se mete”.




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