14 de julho de 2014

A Copa que eu vi (e gostei)


Torcedores da Argélia durante a Copa 2014- reprodução da internet

Sou mulher, brasileira, corinthiana, apaixonada por futebol e pesquisadora do esporte. Vivo em um pêndulo constante de racionalização dos acontecimentos e do sentimento, da emoção. Já chorei com derrotas e com vitórias, não escapo de falar palavrões e morder os dedos durante os jogos.

É claro o machismo de quem acha que mulher não entende de futebol e só assiste a Copa para ver as pernas dos jogadores. Eu assisto sim, para ver pernas e todo o resto. Aliás, nessa Copa passei uma cola para algumas amigas de quem olhar durante alguns jogos. Isso, contudo, não impede que eu goste e entenda de futebol, então desconstrua seu machismo para me ler.

Ouvi muita gente falando sobre a alienação que a Copa provoca. Sobre como buscam nos iludir e que enquanto vemos jogos os políticos armam suas tramóias. Não duvido de que muito tenha sido sonegado, desviado e armado durante a Copa. Mas, a triste notícia que trago é que isso não acontece só pela Copa, acontece sempre e não só no meio político. Para mudar, o necessário não é “não ter Copa”, é votar com consciência e ter participação ativa na política. Não é lutar contra os jogos, e sim pela reforma política. Sou avessa a idéia de futebol como “ópio do povo”. Nessa Copa vários acontecimentos nos provaram que o futebol pode ser exemplo para a vida social. E se os corruptos, os joguetes políticos, a mídia, a FIFA, a CBF e etc. já tinham feito os seus próprios usos do futebol, eu não ia deixar que me levassem o gosto de ver um bom jogo. O prazer de ver lindos gols, defesas espetaculares e dribles desconcertantes. Definitivamente, isso eles não iam me levar também.

Então vamos a Copa. Nunca gostei muito do Felipão como técnico, confesso que, por suas entrevistas e a sua confiança de “mão na taça” tive esperança. O lado emoção foi se entregando. Outro ponto pro lado emocional são as confraternizações, os churrascos, a felicidade e a união. Não tem brigas domésticas que resistam à emoção compartilhada com o hino cantado da forma como foi. 

Tive férias nesse período e vi todos os jogos possíveis e os jornais esportivos. Li sobre as seleções, o que os turistas estavam achando do Brasil, como os jogadores se preparavam e etc. Mesmo não tendo o desfecho que esperávamos essa Copa foi inesquecível. Para quem acreditava que seria um fiasco, ela contrariou as expectativas e foi linda dentro e fora de campo.


Seleção alemã dança com os índios pataxós na BA

Vi a Costa Rica despachar Itália e Inglaterra. A Colômbia chegar tão longe e ser recebida com tanto orgulho em seu país. A Espanha indo embora na fase de grupos. Vi o futebol da América, de forma geral, se saindo bem. As partidas mais abertas, mais ataque, mais velocidade e mais gols! Vi a seleção da casa ser engolida por um futebol diferente e empolgante. Isso não foi prazeroso, mas sem dúvidas um fato histórico da “Copa das Copas”.

Reprodução da internet
Escrevo imaginando como esse texto seria diferente se tivesse sido escrito antes da nossa eliminação. Ele seria escrito mais pelo meu lado emocional, num esforço enorme de traduzir emoção em palavras. De racionalizar não só o gosto pelo futebol, mas o sentimento de uma torcedora. O sentimento hoje não é aquele do entusiasmo com a final do século, “Brasil e Argentina”. É o sentimento de quem foi rejeitado, levou um fora e ainda é apaixonada “pelo cara”. Analisando friamente, não fizemos nenhum bom jogo nessa Copa. 
Mas apesar de toda a dificuldade, o Brasil chegou na semifinal. Apertado, no sufoco, mas chegou. No fundo eu sabia que éramos fracos diante dos adversários, mas preferi torcer.

Contra a Colômbia fizemos uma boa partida. A parte final foi apertada, cheguei a temer o empate, mas o apito veio e com ele o alívio. Nesse jogo vi uma das mais belas atitudes em campo. Me arrepiei ao ver David Luiz consolar James Rodriquez, pedir aplausos para ele. Sem dúvidas, a hora que mais me emocionei durante o Mundial. Ao saber que Neymar estava fora perdi parte da esperança. Se o esquema tático da seleção era tocar pra ele resolver, acabou-se ali tudo o que poderíamos fazer contra a Alemanha.

Reprodução da internet
Mais que isso, me veio à cabeça o que ele estaria sentindo. Pensei de quantas coisas ele deve ter se privado, quantas pessoas se intrometeram em sua vida na intenção de prepará-lo para esse momento, momento que ele não pôde viver até o fim. Vi gente, que até então estava indiferente, se manifestar pelo acontecimento e resolver torcer pela seleção no próximo jogo.

A lástima maior era o adversário do tal jogo. Assisti a todos os outros jogos da Alemanha, vi uma seleção que prometia algo a mais, que faltava pouco pra ser potência, mesmo nos jogos que teve certa dificuldade. Eles resolveram dar esse algo a mais justo contra o Brasil. Parecia mentira. Fiquei em choque, acho que por isso não deu pra chorar, pra sofrer. A verdade estava estampada em um placar que só crescia. Pagamos pela soberba de acreditar que somos sempre o adversário a ser batido. A seleção brasileira é, sem dúvidas, melhor que a Argélia ou Gana, mas faltou orientação para jogar melhor e evitar o fiasco. Mas encontrar culpados e falar que estávamos errados era ser “engenheiro de obra pronta”. 

Para a final, torci pela Alemanha, não por “síndrome de Estolcomo”, ou por rivalidade com a Argentina. Mas por admirar um futebol bem jogado. Pelo respeito que eles tiveram com o nosso país e com a nossa seleção. A final foi um jogo duro, parecia que cada lance seria definitivo. Os dois times jogaram a vida, se entregaram, deram o sangue pelo jogo. Mas a prorrogação foi suficiente para a Alemanha mostrar sua capacidade e merecidamente vencer o Mundial. 

Me entristeceu ver vaias a presidente nesse jogo. Percebi seu desconcerto ao entregar a taça rapidamente a Lahn. Acredito que todos devam se manifestar ativamente na política, mas existem momentos e um certo protocolo a ser seguido. Para além das outras questões, esse momento não era nosso, a festa e a taça não eram nossas, deveríamos ter respeitado a festa dos “outros”, os alemães. Temos muito a aprender, a Copa nos mostrou isso.

Vi os jogadores alemães batendo palmas aos jogadores argentinos. A torcida argentina aplaudindo e reconhecendo que eles deram tudo de si, “deixaram a alma em campo” e mereceram estar na final.

Reprodução da internet
Vi e ouvi o discurso dos alemães ao final do jogo, exaltando a coletividade, a unidade, o time. Na prática um time é bem mais que um conjunto de jogadores. O que fica ao final é que o evento foi maravilhoso. Mostrou a força da América do Sul. E eu, acima de tudo, continuo torcendo pelo futebol. Por um jogo incrível como toda a Copa foi.









Por Jéssica Montanhini

Jéssica Montanhini é historiadora pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e pesquisadora do futebol. Dá aulas na rede pública e particular de ensino e nas horas vagas é amante do esporte.

4 comentários:

  1. Mesmo sendo corinthiana, ela entende de futebol. hehehe
    Ótimo texto Jéssica, falou muiiita coisa que eu pensei e senti nessa "Copa das Copas" . O futebol é encantador e surpreendente, e para quem é apaixonada se torna muito mais emocionante.
    Parabéns pelas palavras Montanhini !
    Abraços, Marina.

    ResponderExcluir
  2. Mesmo sendo corinthiana, ela entende de futebol. hehehe
    Ótimo texto Jéssica, falou muiiita coisa que eu pensei e senti nessa "Copa das Copas" . O futebol é encantador e surpreendente, e para quem é apaixonada se torna muito mais emocionante.
    Parabéns pelas palavras Montanhini !
    Abraços, Marina.

    ResponderExcluir
  3. Não vejo nada de errado com as pernas. Faz bem pra saúde, ué.
    Show de bola isso aqui. bjos.

    ResponderExcluir
  4. Vc tem um dom impressionante de passar o que sente e de convencer quem está lendo seu texto. Minha eterna admiração!
    Vania

    ResponderExcluir